27.4.14

Criança desafiadora

Imagem daqui
Já comentei aqui, que para um professor, um dos casos de inclusão educacional mais complicados é o T.D.O.: são aquelas crianças consideradas más (de má índole) no senso comum. 
Elas são famosas em qualquer escola onde estejam, e eram constantemente expulsas quando a lei permitia. Até pouco tempo nem eram consideradas casos de inclusão e não se sabia que o problema está em seus cérebros.
Tais crianças atormentam sobremaneira os colegas, professores, batem no diretor, agridem animaizinhos, gostam de acidentes trágicos, filmes violentos, incitam  maus comportamentos nos colegas mais levados.
O maior problema em lidar com elas, é que elas conseguem arrancar da gente aquilo que há de pior escondido no nosso subconsciente animal (o id freudiano). Dá vontade de avançar sobre uma criança assim, na hora da raiva. Sorte termos superego, senão estaríamos na cadeia!
Neste ano estou no sétimo céu, pois não os tenho, todavia na sala ao lado há um caso gravíssimo, que respinga em meus alunos. Um belo garotão de seis anos, que não para na sala; tem uma babá estagiária o tempo todo; atira pedrinhas na janela de minha sala; abre minha porta de supetão e grita com meus alunos; bate na carinha deles no recreio.
Nesta semana, uma servente da Escola veio me perguntar porque a minha bela garotinha com nanismo estava usando o sanitário comum, visto que ela tem sua privadinha pequetita, devido às perninhas curtas.
Ao questionar, soube que a colega foi ao banheiro e o tal menino estava lá, no sanitário feminino, sentado sobre a sanita pequenina, fazendo o número 2. Deixou o vaso imundo e saiu gargalhando.
Minha aluninha soube pela amiga e não voltou lá, passando a usar o sanitário da frente, sob risco de cair devido à altura. São diversos destes comportamentos cotidianos (e não esporádicos) que caracterizam o T.D.O.
Se a criança não for devidamente tratada e medicada e o transtorno aumentar, na adolescência o nome muda para "Transtorno de Conduta" (adolescente infrator), e aos 18 anos novamente o nome muda para "Personalidade antissocial" (bandido mesmo).  
Não há garantias que medicando, tudo melhore. O tratamento é longo, tortuoso e nem sempre eficaz, envolvendo condutas familiares, tratamento psicológico e pedopsiquiatra especializado.
Onde eu quero chegar? Ao fato de que aos seis aninhos, professores e outros profissionais já podem identificar futuros  bandidos? Ao fato de que todo caso gravíssimo é um potencial criminoso?
Não é bem assim, e nem podemos estigmatizar uma criança tão novinha, todavia temos sim muita responsabilidade se um dia, essa criança que passou por nós, assassinar alguém friamente. Munidos de informações, temos que buscar ajuda técnica e orientar a família (sem traumatizá-la).
Cerca de 70% ou mais dos garotos infratores da "Fundação Casa" são portadores de T.D.O. evoluído. Se tivessem recebido tratamento de ponta aos seis anos, teríamos uma sociedade muito menos violenta. Não quero dizer que todo T.D.O. grave será adolescente infrator.
E este tal tratamento de ponta? Bem, ainda estamos longe de obtê-lo. Envolve, como já dito, atendimento multiprofissional, fármacos, mudança de postura familiar. Mesmo assim, nem sempre os resultados são favoráveis.
Não é pavoroso olhar para uma linda criancinha e saber da possibilidade de um dia ser vítima de sua própria criminalidade, e não poder fazer um milagre para reverter o quadro?
Não é inovador saber que há cérebros predispostos à criminalidade, com comportamentos manifestos já aos seis aninhos?  Será que no futuro reverteremos o quadro, ainda na infância? 
Será que aquele bandido que te assaltou foi uma criancinha T.D.O. não identificada ou ignorada? Seria Champinha um deficiente intelectual comórbido com T.D.O.? Ou não...

16 comentários:

  1. Nossa, é mesmo, fiquei aqui imaginando o quanto vocês, professoras, não sofrem com problemas como este! Mas, talvez os pais também sofrem muito e não devem saber como agir com estes filhos.
    Eu me lembro de uma menina que era assim quando eu também era criança. Ela era insuportável e eu, na verdade, tinha era medo dela, pois aprontava horrores, até levar palitos para espetar outros coleguinhas ela fazia. Eu estava sempre caindo fora do seu alcance.
    Este tal Champinha pode ter sido mesmo uma criança assim, pois nada se justifica tanta maldade a troco de nada.
    um grande abraço carioca



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    1. Olá, Alfazema!
      Realmen te os pais devem sentir um misto de susto e alívio quando descobrem que se trata de um transtorno psiquiátrico e não má índole.
      Eu também já convivi com pessoas assim no cotidiano, e só depois vim a compreendê-las. Os coleguinhas sentem medo, sim; aqueles que insistem na amizade acabam apanhando cedo ou tarde.
      É uma situação terrível, pois não há nada aparentemente errado com a criança; as outras mães reclamam demais e não aceitam nossas explicações sobre transtorno.
      Uma garota da Escola com este problema, certa vez acusou um motorista de van de pedofilia. Após oitiva das outras crianças, concluiu-se que a mesma fazia uso de sua tendência desafiadora. O profissional nem chegou a saber do caso.

      Outro a abração interiorano a ti!

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  2. Cristina, o cérebro é tão complexo que chego a pensar que qualquer droga medicamentosa que usem, pode se apenas uma experiência. O engraçado que essa síndrome só é visível em nossa sociedade, nas camadas mais pobres, mesmo que saibamos que ela pode aparecer em qualquer meio social. Quando detectarem a carência cerebral que causa ou que provoca tal comportamento, será mais fácil! Tenho a impressão que essas crianças querem chamar a atenção para o problema que possuem, como quem pede um socorro! Ninguém é mal o tempo todo!
    Beijus,

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    1. Oi, Luma!
      É incrível a diferença de quando eles estão devidamente medicados e no dia ao qual nã fazem uso: parece outra criança! O problema é que demora até o pedopsiquiatra encontre o fármaco que melhor se adapte e a dosagem exata.
      O mais antigo é a famosa "Ritalina", porém há outros bem mais avançados e com menores efeitos colaterais, pois a Ritalina inibe o crescimento, dentro outros.
      Quando fui Concelheira Tutelar, na década de 1990, uma mãe de classe média nos pediu ajuda desesperadamente, somente após seu filho adolescente ter matado o gato da família no micro-ondas. A imagem que coloquei me remeteu ao caso.
      Eles realmente não controlam os ataques desafiadores e negativistas, e não se arrependem dos atos.
      Em 2007, eu tive um aluno de sete anos com o transtorno, família de classe média; "convenceu" os pais a pintarem seu quarto todo de preto.
      Muitos mistérios ainda se escondem no cérebro humano... imagine, se um dia não mais tivermos adultos de mente tão sórdida?

      Beijos a ti também!

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  3. Oi, Cristina!
    Aqui na escola onde eu trabalho há casos de alunos com TDAH, síndrome de Asperger e Tourettes, mas não creio que haja alunos com T.D.O.. Interessante aprender com você as melhores formas de lidar com esses alunos, muito útil seu post! Um abraço!

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    1. Oi, Raquel!
      Eu também tenho curiosidade em saber como a Noruega trata seus T.D.O.s, que existem em bem maior quantidade (e severidade) na população masculina.
      O espectro autista costuma ter casos comórbidos com T.D.O., o que dificulta ainda mais um quadro, complicado por si só.
      Em 2012 eu tive um T.D.O. severo sem comorbidade, e uma deficiente intelectual comorbida com T.D.O. brando. Ele usava medicação "Ritalina", que não surtia mais efeito; ela era tratada como TDA/H - nada a ver.
      Também gosto muitos das informações postadas por você.

      Outro abração.

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  4. Cristina, não é mole o que professores enfrentam dia a dia nas salas de aula! Tem de tudo nas classes e crianças assim estão em colégios, dando problemas e se não tratadas como precisam, irão assim pela vida afora. Pais e escola juntos talvez consigam, mas não é f´ácil! beijos,chica

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    1. Olha, Chiquinha, na minha época, essas crianças eram simplesmente expulsas da escola. Ninguém acreditaria nessa história de transtorno... culpabilizavam a criança e pronto!
      O ponto crucial em que você toca é "vida afora": se a escola não ajudar, a sociedade sofrerá as terríveis consequências. Muitos dos bandidos que estão barbarizando por aí foram crianças com T.D.O. severo sem diagnóstico, e consequentemente sem tratamento.

      Grande beijo a ti, grata pelo apoio nesta causa!

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  5. Cris,
    são situações que requerem atenção redobrada e multiavaliação gabaritada sobre o pretenso portador de T.D.O.
    A complexidade do cérebro é tamanha que receio ainda engatinharmos na sua decifração.Seria perfeito se contássemos com auxílio integral no tratamento do aluno acometido pelo distúrbio, mas sabemos que infelizmente isso é raro e vemos crescer o descarte ao invés do apoio.Lamentável.
    Bjos,
    Calu

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    1. Olá, Calu!
      Os casos de T.D.O. ainda são confundidos com TDA/H, sobretudo no meio médico. O fato de haver muitos indivíduos comórbidos, acaba dificultando o diagnóstico e consequente tratamento.
      Na faixa etária entre 6, 7 anos, é nítida a diferença entre ambos, se isentos da comorbidade. Quando o diagnóstico se arrasta por anos, o tratamento fica ainda mais prejudicado.
      Após décadas de convivência acirrada com as crianças e muitos cursos na área de neurociência, o professor desenvolve "olho clínico", todavia nem sempre o pedopsiquiatra considera sua opinião ao arrastar o diagnóstico, perdendo as vantagens do tratamento precoce.

      Beijocas procê.

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  6. Ola.

    Ao ler este texto lembrei-me um pouco do caso do psicopata pois este também tem sinais que mostram desde novo sua inclinaçao para a violência. A diferença é que neste caso trata-se duma doença pelo que penso que a sociedade pode fazer pouca coisa. é mais um caso de tratamento médico.
    Quanto aos TDO concordo quando diz que nem todas acabam na violência e que isso depende muito da sociedade onde vivem.

    Um abraço

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  7. Cris! bom dia! que post interessantíssimo e ao mesmo tempo lamentável. Muitos problemas da nossa sociedade seriam minimizados se nossa governança tivesse uma visão mais holística da educação. Crianças assim poderiam ter uma acompanhamento multidisciplinar, suavizando seus transtornos e traumas. Imagine esta criança no ambiente de trabalho, nos relacionamentos, enfim acredito que sem nenhuma ajuda o quadro venha somente a piorar. Me despeço pensando: o que nos resta fazer por estas crianças?Bom domingo!

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    1. Oi, Lu Sumidinha!
      Boa tarde procê e pro Rico!
      O número de penitenciárias poderia ser reduzido se na infância houvesse acompanhamento e tratamento adequado para indivíduos com predisposição ao comportamento desviante.
      Treinamento intensivo para professores, atendimento multidisciplinar nas próprias secretarias de educação e um olhar de respeito vindo da sociedade, fariam com que um T.D.O. não evoluísse para Transtorno de Conduta e tampouco para Personalidade Antissocial, voltando-se contra todos nós.
      Beijin prá ti, e ótima semana.

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  8. Olá, Bruno! Como vai?
    O professor tem muita responsabilidade nas mãos, e a profissão requer constantes estudo em neurociência.
    Há casos que passam desapercebidos e vão se intensificando com o tempo. Na vida adulta, desaguam contra a sociedade de alguma forma. Muitos TDOs se tornam estelionatários.
    Os psicopatas, se diagnosticados e tratados o quanto antes, ao menos terão uma família em alerta em torno de si, tentando evitar possíveis atos bárbaros.
    Seria tão bom se pudéssemos nos debruçar melhor sobre o tema enquanto sociedade, visto que a violência é um dos maiores males a afetar a convivência social.
    Outro abração procê.

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  9. ~ ~ ~ São um grande problema, na escola!
    Tornam os dias dos professores e colegas, num inferno.
    ~ ~ ~ Na Europa, iam para os reformatórios.

    ~ No entanto, alguns "enfants terribles", acabam por tornar-se adultos sérios e educadíssimos.

    ~ ~ ~ Grande abraço transatlântico. ~ ~ ~

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    1. Ótima tarde, Majo!
      Eu também acredito que o auxílio faz com que possam se tornar adultos sérios e sociáveis. O que muito me preocupa é a demora do diagnóstico, que nós, professores de olhar clínico, percebemos logo.
      Estas crianças precisam de apoio, e nos casos graves, medicação. Quando levadas de empurro, podem se tornar um grande problema social na vida adulta.

      Outro abração sul americano.

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